Inspiração Encomendada

As mãos estavam apertadas, coladas uma à outra, os dedinhos vermelhos travavam uma batalha quente e suada sob as coxas juntas, levemente inquietas. Sentada numa cadeira desconfortável de plástico, dentro de uma sala abafada, pouco iluminada por uma luz azul.
Os olhos fechados com força, como se quanto mais rigidez atribuísse às suas sobrancelhas para dobrar-lhe os couros significasse uma profunda concentração digna de atenção maior. Atenção que buscava em momentos propícios, não de muitos, todos os dias ou na mesma salinha escura e azulada. Era vontade de focar com a mente seu objetivo palpitante, de fazê-lo saltar do térreo onde pisava.
Superficialmente era sentar, fechar os olhos e juntar as mãos. Internamente, sua mente transpunha tudo usando poucas palavras, tornando mais fácil de “explicar” o que queria. Tinha tempo limitado, era esperar ser chamada e sair da cadeira para que outros pudessem, ali, fazer o mesmo. Então ela o fez apressado, com as mesmas características de antes, concentração ao máximo, focando no subjetivo, imperativo, no fio azul, fluídico, que saia de sua cabeça para os confins do universo.
“Me dê inspiração. Por favor. Se eu tenho inspiração, sou capaz de tudo que pedia antes, e ainda melhor! Inspiração, meu Deus. Inspiração...” repetia a palavra em mente, enquanto os dedos ficavam ainda mais pressionados, os olhos ainda mais fechados, e a boca levemente levantada nos cantos. A pele toda se contorcia no rosto. “Inspiração.”
Foi quando pediram-me que saísse da cadeira, e minha oração foi interrompida. O fio que saia de minha cabeça se apagou rapidamente como uma conexão de internet. Bruscamente cortada.

Comentários

  1. Em primeiro lugar obrigado pelos seus adendos em meu blog, vamos nos visitar sempre. Em segundo lugar parabens pelo designe do Blog, impõe uma credibilidade ao conteúdo. Um cuidado maior.
    Em terceiro lugar, a ispiração é assim, uma ladra que vem e vai com nossas idéias, cabe a nós sabermos construir armadilhas pra que ela não funja antes de conseguirmos registra-la. Uma inspiração quando não rgistrada, desaparece pra sempre, uma pena.

    Comigo é pior, é algo sadomasoquista... acontece assim:

    "Estou precisando injetar Clarice em minhas veias novamente. Há uma boa temporada saí do meu coma alcoólico e não mais voltei à Neverland. Há em mim uma coisa que grita porque há tempos nada me dói, e quando nada me dói, nada escrevo, entro em crise. Viro pedra polida, inquebrável, impenetrável, seco. Donde estão as lágrimas que tanto amo? Preciso encharcar-me delas como ontem, soluçar sem fim, remoer-me em dor. A Felicidade é minha maior inimiga. Sim. A Felicidade usurpa de mim o direito que sempre tive de cuspir minha arte amadora e desconexa. Minha perversidade clama. Preciso o quanto antes achar motivos para torturar a vítima indócil que sou. É fome de criação. Sou amador. Amo a dor."


    Um abraço, moça!

    =]

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  2. Depois de ter quase me confundido por informação demais ;) e com o fato de preferir "estender as mãos abertas sobre os joelhos" nestas horas, acho que posso dizer que tudo que mais queremos flui mais naturalmente quando nos satisfazemos em simplesmente querer.

    É claro que o resultado final favorável é mais divertido, mas eu, por exemplo, tenho algo especial neste momento que eu quero muito, mas que gosto tanto do simples fato de querer, que isto, por sí só, já me dá alguma satisfação e a tranquilidade pra continuar...

    Uma metainspiração, inspirar-se em se inspirar, este seu sentimento é parecido, eu creio... o que desejo é que você (e qualquer outro leitor interesado) seja tão feliz com o processo quanto com o resultado final... caso contrário pode-se desistimular de tentar e é exatamente isto que nós não queremos, certo?

    Deve ter até uma frase de Gandhi perdida no "quem sou eu" do orkut de alguém por aí que corrobore com esta interpretação... mas eu procuro outra hora...

    keep living

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  3. Ahn a dona inspiração. Ela é tão caprichosa quanto diáfana, vem a hora que quer, egoísta só faz o que lhe apetece e vai embora quando mais lhe interessa. Ahn como é arrebatadora em seus instantes de bom humor. Deve ser para nos tornarmos cada vez mais, seus escravos!

    ps: a minha inspiração nunca vem sob pressao =P

    Um beijo e adorei a visita.

    Vã.

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  4. Como redator publicitário, vivo de "inspirações encomendadas".

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  5. Ai, Brêh! Eu te falei que daquela vez eu não tinha entendido isso aqui porque tava cansada, mas agora acabando de acordar vim ler e fazer um comentártio decente se o blogger quiser enviar... xD. Me impressionei como você desenvolveu essa pequena narrativa, que resume nossa incessante busca de inspiração e como a inspiração é tão tênue que pode ser destruída por um pequeno desvio momentaneo.
    Brenda, tu escrever tão bem! *-*

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