Doce Marilusa

Marilusa acostumou-se com a lentidão dos dias, e jogava-se taciturna como jogam flores mortas ao mar. Completamente entregue, flutuava inerte perante as ondas das sombras entorpecentes. Vestindo uma roupa branca de algodão semitransparente, protegia-se vulneravelmente das pequenas partículas de poeira flutuantes no feixe de luz da sala de estar, esperava esperançosa a presença do marido.
Acomodada em sua própria moradia, que era mais dele do que dela, despojou dos cabelos a trança bagunçada, libertando as mechas carameladas, antes impedidas de exalar um perfume aromal. Simplesmente anormal, seu jeito de portar-se perante ela mesma.
Os pacíficos olhos contornaram a sala, quase cinza cor de céu nublado, ainda receptavam clementes imagens puras, por mais putrefatas que estivessem. Ainda captavam pouca luminosidade em dias de chuva, por mais imersos em mediocridade. Pois os olhos daquela mulher eram conservados por outro tipo de tempo, paralelo ao tempo dos homens, mesmo que em plano material compartilhado. Esta conotação seria a única e absoluta razão para os olhos cinza, pois pareciam possuir a praticidade de velas, mesmo que ainda corressem o risco da tiflose e da promissora voracidade de vermes como os do restante da população.
Paciente, massa de molde em forma de mulher, brincava ela mesma por ser tão branca, obrigava ela mesma a pegar um pouco de sol, mas desde a ultima vez que havia tentado, chorou de desgosto machucada pela insolação. Como sempre acabava exposta demais, expondo-se às coisas e as coisas se expondo à ela, preocupou-se por dias com apenas isto vagando em sua consciência, reteve-se calada e colheu uma solução após a vertigem. Prometeu que os ignoraria daquele dia em diante, do mesmo modo que fizeram os raios de sol que esclerosaram sua pele.
Envergonhados feito o marido por maltratarem criatura tão modesta, os belos raios vívidos recolheram-se de sua casa sem palpitar ojeriza. Excederam aquele que jurou amá-la, mas seria tolice tentar comparar o vulgo rapaz com o sol, por isso não me atrevo.
Tudo naquela sala chorava pelo simples fato de vê-la ali. Os ressequidos girassóis vangoguianos pediam-lhe perdão, pousados em seu canto esquecido, e ela os ignorava.
Fazia-se então naquele cômodo uma culpa de morte. Ela os fazia se sentirem ameaçados e melancólicos por não poderem fugir de sua presença.
Nada com vida durava ao seu redor. Era de certa forma redenção à simplicidade maior que as de frutos, joaninhas e girassóis, mas tanta redenção que deixaram-na sozinha, avoada do mundo, tão bela e frágil criatura.


28-09-09

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Uma breve conversa

Lendo os comentários do texto passado, me deparei com o Senhor Anônimo que com toda sua espontaneidade, acredito, postou o seguinte:
Anônimo disse...
As vezes eu acho que só a Brenda entende o que ela escreve '-'

HAHA, não vou mentir dizendo que isso não me divertiu. Me perguntei no mesmo instante se isso seria verdade, pois até agora, todos que leem meus textos tem interpretações diferentes daquelas que foram predestinadas por mim quando os escrevi. Mas eu não me culpo, de jeito nenhum. Acho uma beleza o corpo mole dos meus textos. Continuem escrevendo para mim, amo cada comentário.
Obrigada.

Comentários

  1. A magia das palavras é guiar cada leitor a uma estrada diferente pois se todos interpretassem nossas palavras da mesma forma, as palavras não valeriam a pena. Ler é montar um quebra-cabeça de milhares de formas diferentes. Pena que o 'Sr. Anônimo' não tenham compreendido isso ainda.

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